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Corpo de Mãe Stella de Oxóssi foi velado no Afonjá, por decisão judicial

Mãe Stella de Oxóssi, histórica iyalorixá da Bahia, falecida na última quinta-feira (27/12), será transferida para Salvador e será sepultada, conforme os rituais do candomblé, região da qual foi líder, no Ilè Asé Opò Afonjá, por mais de 40 anos.

A questão estava sob forte tensão, após a recusa da companheira de mãe Stella, pelo enterro em Salvador, onde fica o Ilè Asé Opò Afonjá e foi resolvida por meio de decisão liminar, da magistrada Caroline Rosa de Almeida Velame Vieira, titular da comarca de Nazaré/BA, cidade em que sua companheira pretendia sepultá-la.

 

A ação foi movida pela Sociedade Cruz Santa do Ilè Asé Opò Afonjá, representada por José de Ribamar Feitosa Daniel, bem como por Edite Santos de Andrade, Iyakekerê do Afonjá. Os advogados, Dr. Hédio Silva e Dr. Antonio Basílio Filho, teriam proposto a ação, segundo informações preliminares e argumentaram que era fundamental. para as convicções religiosas de Mãe Stella, que seu corpo passasse pelo momento do axexê:

O axexê é o momento religioso, de desligamento do corpo físico, de um iniciado no culto aos orixás, para que se desvincule do plano material, tornando-se um ancestral. Nos ritos de religião de matriz africana, o sepultamento e o ritual do axexê é fundamental, sobretudo, para uma líder religiosa. Para tal desiderato, é necessário que seu corpo físico, mesmo que morto, esteja dentro do espaço religioso no qual foi sacralizado. No caso de Mãe Stella de Oxóssi, esse lócus é o terreiro do Ilè Asé Opò Afonjá, localizado no bairro de São Gonçalo do Retiro.

A decisão foi concedida em medida liminar e, na sua técnica, haveria de estarem justificados o fumus boni iures(fumaça do bom direito, em latim), isto é o sinal, aparente, de justa causa da ação, como o periculum in mora (perigo da demora em latim), consistente no fim do objeto da ação, no caso de demora por solução. Segundo a juíza, nesse sentido:

Presente o fumus boni iures da pretensão do Autor, visto a iminência do sepultamento na cidade de Nazaré e, incontroverso é também o periculum in mora, foto que, a não realização do ritual religioso, importará no sepultamento da Iya Stella de Oxossi, medida irreversível, o que porá em risco a continuidade dos ritos religiosos da sociedade autora.

A magistrada prosseguiu sobre o direito da de cujus (expressão que significa a companheira(o) em juridiquês) em face do interesse social e proteção do patrimônio histórico e cultural da religião de matriz africana, ponderando pela proteção à violação do exercício da religião, da qual era líder, de forma que seria irreversível:

Não havendo nos autos prova de manifestação da ‘de cujus’ de lugar de preferência de local sepultamento, pelo melhor interesse social, é possível mitigar o direito de disponibilidade da família da ‘de cujus’, sobrepondo-se a proteção do patrimônio cultural, entendo que se deve conceder à comunidade o exercício do culto religioso, ante a supremacia do princípio que aqui seria violado, de forma irreversível, do exercício livre da religião da qual a Iya Stella de Oxossi era líder, bem como a proteção do patrimônio histórico e cultural do exercício da religião de matriz africana.

O caso estava sendo aguardado pela comunidade jurídica. Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil, seção da Bahia, já havia se manifestado por meio de sua Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa:

Mãe Stella de Oxóssi faz jus a todas as honras reservadas a uma sacerdotisa de sua grandeza, de acordo com a tradição que durante tantos anos observou, ensinou e conferiu ampla publicidade. Assim, a prima facie, o conjunto de elementos próprios ao cerimonial fúnebre nos termos da profissão de fé da liderança religiosa deve ser rigorosamente respeitado, em consideração à memória e empenho sobre-humano da religiosa em testemunhar da religião de matriz africana de forma sensível e translúcida”

 

Confira a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia na íntegra:

A Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB da Bahia vem a público manifestar seu mais profundo pesar pela morte de Mãe Stella de Oxóssi ocorrida na tarde de ontem, dia 27/12/2018, ao tempo em que se solidariza com familiares, amigos(a), filhas e filhos de santo, toda a comunidade do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, praticantes de religiões afrobrasileiras e admiradores no Brasil e no mundo.

Mãe Stella de Oxóssi formou-se pela Escola de Enfermagem e Saúde Pública e iniciou sua função religiosa em 1976, quando escolhida como quinta iyalorixá da tradicional casa Ilê Axé Opó Afonjá, a qual, sob sua guia, foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1999.

Mãe Stella de Oxóssi transcende a poderosa representatividade religiosa dada a importância sociocultural e política de suas produções literárias e artísticas, tendo ascendido à cadeira 33 na Academia Baiana de Letras, cujo patrono é Castro Alves, bem como por figurar como proeminente ativista e militante de movimentos sociais marcada pela luta pela igualdade racial e reproche ao ódio religioso.

Ciente da existência de litígio judicial em torno do sepultamento de Mãe Stella de Oxóssi, no qual se discute a sua realização em Nazaré das Farinhas, cidade em que vivia nos últimos meses com a sua companheira ou a transferência de seu corpo para Salvador, a fim de promover o cumprimento dos preceitos junto ao Ilê Axé Opô Afonjá, considerando que a sucessão espiritual que culminará na substituição da sacerdotisa prescinde da liturgia que envolve o sepultamento seguida do axexê, sob pena da inviabilização das atividades da casa e realização das obrigações de práxis, manifestamo-nos sobre o impasse instaurado.

A Comissão entende que, diante de toda uma vida dedicada ao Candomblé, mediante entrega voluntária ao sacerdócio, promovendo e defendendo a fé, além da longeva atuação na preservação da religião e da religiosidade como elementos identitários da cultura brasileira, a menos que existe disposição de última vontade (o que é desconhecido) de Mãe Stella de Oxóssi, como testamento ou codicilo, em sentido divergente, ou seja, que aponte a recusa ou negativa do ritual religioso de passagem previsto, dever-se-ia assegurar-lhe a realização, em consonância com o art. 5º, inciso VI da CF no qual verifica a inviolabilidade da “liberdade de crença” e a garantia “na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.

Mãe Stella de Oxóssi faz jus a todas as honras reservadas a uma sacerdotisa de sua grandeza, de acordo com a tradição que durante tantos anos observou, ensinou e conferiu ampla publicidade. Assim, a prima facie, o conjunto de elementos próprios ao cerimonial fúnebre nos termos da profissão de fé da liderança religiosa deve ser rigorosamente respeitado, em consideração à memória e empenho sobre-humano da religiosa em testemunhar da religião de matriz africana de forma sensível e translúcida.

Cobertura completa, veiculada por jornal local:


Por: Brenno Tardelli
Fonte: CartaCapital

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